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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

OS POBRES HOMENS RICOS


     UM AMIGO meu estava ofendido porque um jornal o chamou de boa-vida. Vejam que país, que tempo, que situação! A vida deveria ser boa para toda gente; o que é insultoso é que ela o seja apenas para alguns.

     "Dinheiro é a coisa mais importante do mundo ." Quem escreveu isso não foi nenhum de nossos agiotas.  Foi um homem que a vida inteira viveu de trabalho, e se chamava Bernard Shaw. Não era um cínico, um homem de vigorosa fé social, que passou a vida lutando, a seu modo, para tornar melhor a sociedade em que vivia - e em certa medida o conseguiu. Ele nos fala de alguns homens ricos:

     "Homens ricos ou aristocratas com um desenvolvido senso de vida - homens como Ruskin, William Morris, Kroptkin - têm enormes apetites sociais... não se contentam com belas casas, querem belas cidades... não se contentam com esposas cheias de diamantes e filhas em flor; queixam-se porque a operária está mal vestida, a lavadeira cheira a gim, a costureira é anêmica, e porque todo homem que encontram não é um amigo e toda mulher não é um romance... sofrem com a arquitetura da casa do vizinho..."

     Esse "apetite social" é raríssimo entre os nossos homens ricos; a não ser que "social" seja tomado no sentido de "mundano". E nossos homens de governo têm a pasmosa desambição de governar.

     Vi, há tempos, um conhecido meu, que se tornou muito rico, sofrer horrorosamente na hora de comprar um quadro. Achava o quadro uma beleza, mas como o pintor pedia tantos contos ele se perguntava, e me perguntava, e perguntava a todo mundo se o quadro "valia"mesmo aquilo, se o artista não estaria pedindo aquele preço por sabê-lo rico, se não seria "mais negócio" comprar um quadro de fulano. Fiquei com pena dele, embora saiba que em uma noite de jantar e boate ele gaste tranquilamente aquela importância, sem que isso lhe dê nenhum prazer especial. Fiquei com pena porque realmente ele gostava do quadro, queria tê-lo, mas o prazer que poderia ter obtendo uma coisa ambicionada era estragado pela preocupação do negócio. Se não fosse pelo pintor, que precisava de dinheiro, eu o aconselharia a não comprar.

     Homens públicos sem sentimento público, homens ricos que são, no fundo, pobres-diabos - que não descobriram que a grande vantagem real de ter dinheiro é não ter de pensar, a todo momento, em dinheiro...
Rubem Braga

sábado, 1 de outubro de 2011

Eu recomendo

Festa de outubro em São Romão, nesse ano com Araketu e Amado Batista, é sempre boa, até 2009 quando o prefeito não fez a festa eu fui pra lá e tava bom. Durante o dia no Riacho então é o melhor da festa, 24 horas sem parar, o Riachim de dia parece a Bahia, trio elétrico e moçada de biquini, uma maravilha, dizem que não se encontra mais casa pra alugar na cidade, todo Ubaí vai, tem a galera de lá, que é da hora, a única coisa ruim é que não vai ser na beira do rio, onde é calçado, tem a brisa, todos os bares e restaurantes da cidade, pra ser na praça da rodoviária no meio do poeirão, qualquer sãoromano concorda comigo. Chego lá na sexta, pra me esbaldar, Gali perdão, quem do meu povo que não for pra Diamantina, bora pra São Romão.


São Romão

Minas Gerais - MG

Histórico


Com a descoberta do ouro, de tal maneira se intensificou o trafego fluvial de São Francisco,

conduzindo o metal à Bahia e de lá trazendo viveres e outras mercadorias, que aquela via fluvial

assumiu importância definitiva; ao mesmo tempo, um sem número de elementos desgarrados de

antigas bandeiras, de foragidos da justiça de todo o Brasil e Portugal, de índios nômades ou

aldeados, de escravos fugidos, infestavam as margens do grande rio, assaltando caravanas,

contrabandeando ouro etc. Tal estado de cousas exigia corretivo pronto e foi para tentar um

policiamento efetivo e fiscalizador que Januário Cardoso, sobrinho de Matias Cardoso, foi

destacado.

Com esse intuito, foi ele para Morrinhos com o primeiro objetivo de dominar a aldeia das

Guaíbas, situada numa ilha que dividia o grande rio em dois braços. Para tanto, ordenou a seu

sobrinho Manoel Francisco Toledo que conquistasse a ilha ocupada pelos Caiapós, levando como

guia o português Manoel Pires Maciel. Desfechado o combate, a luta desencadeou-se ferocíssima,

pelejando-se de sol a sol, com extermínio quase total dos índios. Celebrando a vitória que se deu a

23 de outubro, batizou-se a ilha com o nome do Santo do dia, São Romão, designativo que perdura

até hoje. Com os remanescentes reduzidos à escravidão, foi fundado o arraial na margem fronteira

e ocidental, sob a invocação de Santo Antônio do Manga, mais tarde Julgado de São Francisco

(1719).

Em 1736, foi São Romão teatro da primeira ação de um movimento de revolta contra as

autoridades da metrópole portuguesa que vinha, através de seus prepostos, sugando a economia

regional, a pretexto de captação de tributos cada vez mis pesados. O movimento, que os reinóis

tentaram esconder menosprezando com a depreciativa denominação de “Motins do Sertão”, foi em

realidade um movimento de profunda raízes, com plano pré-estabelecido para uma explosão

definitiva. A impaciência de um Padre, Antônio Mendes Santiago, invadindo a vila de São Romão

e denominando-a antes do sinal dado por outros cabeças, determinou a perda de todos os esforços

libertários, com a consequente perseguição a muitos naturais e proprietários da região.

Curioso foi o filho daquele português, Manoel Pires Maciel – que guiara os comandos que

dizimaram os Caiapós da ilha de São Romão – agora grande senhor de terras (as terras que o pai

roubara aos índios), tomar as dores pelo régio poder e contra atacar, derrotando o Padre Antônio

Mendes Santiago; foi, por sua vez, derrotado, dias depois, por uma força nativa comandada por

Pedro Cardoso. Ao ensejo desta segunda acometida, o filho de Manoel Pires Maciel fugiu. De

posse do arraial, os revoltosos formaram uma espécie de governo provisório, nomeando-se

secretários de estado e demais autoridades, como juízes de julgado, etc.

Como houvesse abusos disciplinares constantes, por parte dos revoltosos, muitos

julgamentos foram feitos, sendo aplicada inclusive a pena capital aos que abusaram do direito de

conquista, desvirtuando a campanha libertadora. O plano geral do levante determinava que o

distrito de ouros, ou seja, a região do rio das Velhas e do Sabarubuçu, se juntaria aos revoltosos

assim que dominado o sertão do São Francisco. O Governo da Província, depois de muito sangue,

muita perseguição, dominou o movimento que reservou a São Romão um lugar de destaque e de

honra na história de Minas.

Em 1831, a 13 de outubro, foi o arraial elevado à categoria de vila e recebeu o nome um

tanto contraditório para tal passado de lutas: Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São

Romão. Daí para diante, a comuna viveu mais calmamente e deixou de ser o centro de importância

de outrora, mesmo pela aparição de outras comunas, pelo desenvolvimento de outras vilas de

acesso, pelo deslocamento do comércio mineiro para o Rio, etc.


Gentílico: são-romano



Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – Volume XXVII – Ano 1959.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Coisas abomináveis

                                              Paulo Mendes Campos

       Sem dizer das outras 8.329 coisas abomináveis, das quais não tenho tempo de me lembrar neste instante, eu denuncio na vida moderna os seguintes crimes contra a criatura humana: sala de espera de ministério público, de autarquia, de banco, sobretudo quando uma réstia de sol morno e antipático bate em nossa cara; atraso de avião, para reparos no motor, sobretudo quando se está sozinho em aeroporto estrangeiro, com um alto-falante incompreensível em qualquer idioma; trem que atrasa na própria estação de partida, sobretudo da Estrada de Ferro Central do Brasil no primeiro dia de carnaval (isto já me aconteceu, é claro); menino de nariz sujo (menina então nem se fala); gol do América no último minuto contra o Botafogo ou gol do Escurinho de pé direito; preencher aquele formulário hermético e algébrico da Divisão do Imposto de Renda, sobretudo quando não se tem renda, mas vai pagar assim mesmo; a penúltima hora em qualquer viagem e em qualquer tipo de transporte; torneiras secas há mais de três dias (todo carioca contemporâneo tem crédito no Paraíso); verificar que o prato pedido no restaurante está intragável; garçom que fica malcriado quando quer gorjeta além dos 10% já incluidos na conta; uísque ostensivamente falsificado; domingo às seis horas da tarde, sobretudo se há resenha esportiva, mas a televisão está enguiçada; técnico de televisão; anúncio de televisão; Marconi; buscar um registrado no Colis Postaux; desembaraçar bagagem na alfândega; delegacia de polícia, em qualquer circunstância; prostituta sem dentes; falso malandro; falso valente; sujeito falsamente importante; fila de elevador e elevador propriamente dito; bafo de respiração em nossa nuca dentro do elevador; um arábe (dizia Ovalle) vestido a caráter dentro de elevador; enguiço de elevador e a gente lá dentro; moça que não sabe que mulher só pode falar um palavrão por semana; aviso de banco; gerente de banco (o subgerente é pior) quando nos diz com sarcasmo: "Sempre os eternos 10%!"; tinta quando acaba se a gente já está enchendo a promissória (tem de pedir a caneta do gerente emprestada); pobre bajulando rico; rico bajulando pobre; rir com exagero da anedota contada pelo patrão; campainha de telefone de madrugada; esperar um telefonema com ansiedade e, vai atender, é engano; enfarte de pessoa da nossa idade; caixa, quando nos diz para passar no dia seguinte (no dia seguinte talvez ele nos pague, mas com uma cara enjoadíssima de quem concede um favor excepcional); cachorro latindo em nossas pernas; quintal com papagaio e macaco; discurso em geral, mas, notadamente, os empolados e compridos; cara de falsa modéstia; tratar de papéis para a compra de imóvel; processo na Caixa Econômica; eletrola quando fica biruta; vacina antivariólica; rumores de epidemia de varíola; apartar briga em espanhol; brigar em francês; amar em alemão; ser puxado por alguém para dançar; enjôo de mar (mais forte que amor de mãe, diz Gilberto Amado); jornal largando tinta; pagar a mesma conta duas vezes (o poeta Keats refere-se a isso com uma sacrossanta indignação); acordar com gripe; dor de dente, sobretudo depois de trinta anos; poesia declamada por mulher gorga ou magra demais; chapéu à nossa frente no teatro; jantar perto de pessoa que nos vai devorando as fritas; quer me dar só uma pontinha de bife?; ser chamado de bichão ou batuta por pessoa que não tem intimidade conosco; beliscão; o segundo beliscão; practical jokes, sobretudo se o idioma é do Texas; topada; agentes de seguros (porque evidentam dizer-nos a palavra morte e só pensam nisso); conta de boate, sobretudo quando o cavalheirismo nos obriga a pagar sem checar o roubo; policial empurrando a gente de leve (com força é mais que abominável); batedores de motocicleta, sobretudo no verão, no dia que a gente não tomou banho porque faltou água; os serviços em geral da Companhia Telefônica; a telefonista-chefe do serviço interurbano; demora aproximada de seis horas porque há alguns circuitos com defeito; precisar inadiavelmente de táxi em noite de chuva; esquecer a carteira em casa; perder cardeneta de endereços; isqueiro quando acaba o fluido mas há ainda uma tênue esperança; perder dinheiro; achar dinheiro e o dono aparecer na mesma hora; comerciante quando nos aconselha a comprar logo porque vai subir de preço; chimpanzé metido a besta; araponga em tarde de dor-de-cotovelo; serra circular em dia de ressaca; ressaca em dia de serra circular; queda ridícula em via pública; estar com vontade de fumar e nem o motorista do táxi tem fogo; amigo que não compra cigarros para fumar pouco; ser apresentado mais de 13 vezes a uma mesma pessoa; não reconhecer uma pessoa que já nos foi apresentada; pessoa que nos diz você não se lembra de mim, e não conta; batida de automóvel na hora do engarrafamento; mão suada; festas juninas; sujeito que adora falar mal língua estrangeira; sujeito que fala bem demais língua estrangeira; mulher feia falando mal de mulher bonita; o abominável homem das neves.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

As Bacantes - de Eurípedes



As Grandes Diosnisas era o festival mais popular da Grécia antiga, e o concurso de tragédias o auge do festival, Dioniso é o deus do teatro, se uma peça não agradava ao público era comum a expressão: -e o que isso tem a ver com Dioniso?
Eurípedes, um dos três grandes dramaturgos gregos conhecidos, venceu seu último concurso após a morte com a peça "As Bacantes" contando a volta de Dioniso à Grécia após sua campanha pela Ásia, impondo sua divindade.
Dioniso chega a Tebas, sua terra natal, duvidam de sua divindade, a mãe e tias do rei Penteu (seu primo), lhe negam ritos e louvores, ele não aceita e as atrai enlouquecidas, junto à turba extasiada de mulheres que largam seus lares e afazeres, filhos e maridos, um deus-demônio, as leva ao alto dos montes, gritando Rumor, Evoé, Baqueu,entoando hinos: "Ó venturoso! Por teu demônio bom, o deus te instrui em teu mistério. Consagrá-la a vida imácula! Anime o tíaso, tua alma-psiquê, nos montes - pura catarse! Dionisa-te!".
Tirésias, o sábio adivinho cego, chega ao palácio a alertar Cadmo, antigo rei que transferiu o trono ao neto, para que rendam preces a Dioniso, um deus entre os mortais, filho de uma filha de Cadmo, urge dançar, paramentar-se com peles e cingir a fronte com hera, balançar o tirso, adolecer ao som da dança, dar as graças que uma divindade merece.
O rei Penteu chega de viagem, se indigna com  esse suposto deus que "introduz mulher onde a uva brilha", que arrebatou para orgia no alto dos montes sua mãe Agave e suas tias, revolta-se ao ver seu avó paramentado para sevir a Baco, critica-o e acusa a Tirésias de introduzir esse novo demônio, um promotor de mistérios perniciosos. Tirésias o adverte: -esse deus, não sabes quão magno será na Grécia, ele que trouxe ao mundo o sumo invento da vinha, alegria para os homens, esquecimento para o diário dissabor "quando o divino adrenta o corpo, faz dizer o futuro a quem delira", acolhe o deus em Tebas, liba, dionisa-te, coroa-te de hera! Dioniso não impõe moderação à mulher, deixa tua mãe, deve considerar que em bacanais, não se corrompe quem é moderada, não maquine contra um deus, urge dançar. Cadmo corrobora com Tirésias: meu neto, sua tia é mãe de um deus, evita o teu sofrer, não se enfrentam os deuses: "Vagas, sem atinar que desatinas". Penteu rechaça seus conselhos,
manda prender as bacantes e trazer até si o responsável por tamanha desordem. Dioniso se transfigura em mortal, parte do tíaso e se oferece para ser levado a Penteu que o interroga. Dioniso impassível, reafirma o poder de Baco, e é desmentido por Penteu:
Penteu: -O que acontece nesse bacanal?
Dioniso: -É saber vedado aos não-dionisos.
Penteu: -Celebras ritos noturnos ou diurnos?
Dioniso: -Noturno sobretudo. A treva é sacra.
Penteu: -Para as mulheres, uma burla sórdida.
Dioniso: -Também de dia o torpe mostra a cara.
enfadado com sua loquacidade o rei manda prender o deus. Preso, Dioniso vai mais longe, incendeia o tumulo de Sêmele, sua mãe, e põe em ruínas parte do palácio, suas correntes se soltam. A verdade é inútil aos olhos do rei impassível. Nisso chega um mensageiro real, que relata que a mãe e as tias do rei lideram o tíaso dionsíaco, amansam feras, colhem vinho  da terra com os dedos, fazem brotar mel por seus tirsos, despedaçam animais vivos com as mãos, participam da orgia dionisíaca, um bando de homens que as foram perseguir, foram dilacerados por elas, acusados de espionar o ritual sagrado, não permitido aos não iniciados; armas não ferem seus corpos. Ao saber que sua mãe se entregava a tal rito, mais indignado o rei fica, e ele declara guerra ao deus. Ainda sob forma humana Dioniso volta a frente de Penteu que o julgava preso, ele recomenda ao rei que faça um oferenda, mas ele não aprova esse deus-demônio. Dioniso o sugere levá-lo ao lugar onde acontecia o bacanal, o rei concorda, o deus o convence a se vestir como mulher,  colocar uma peruca para que não seja reconhecido e morto pelas bacantes, portar o tirso e se vestir como as dionisas, o rei aceita a humilhação e segue para espionar o tíaso. Dioniso conduz o rei pela pólis para que riam dele seu povo e sabe que após ser dilacerado pela mãe, ninguém duvidadará desse terribilíssimo e gentil deus. O fim trágico se aproxima. Dioniso instiga as mênades sobre o espião do secreto rito, dobra o alto da montanha e o entrega de bandeja para as bacantes, Agave, a mãe do rei é a primeira a arrancar-lhe o braço, suas irmãs de sangue em seguida, as  bacantes o fazem em pedaços. Ainda em transe a mãe conduz pela cidade até o palácio a cabeça do filho, Cádmo lamenta a infeliz sorte da família privada de seu único varão, perdendo a linhagem na dinastia de Tebas. Dioniso vingado reafirma a glória de um nato não de mortal, mas de Zeus-pai, único deus de mãe mortal.

Para saber mais - clique no marcador Dioniso:
-O nascimento de Dioniso
-Dioniso e o vinho
-O tíaso

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Travesuras de la niña mala

Confesso que estava curioso para ler o mais novo prêmio nobel latino-americano, mas "creo que prefiero Gabriel García Márquez". O mais interessante da estória é a descrição da passagem do tempo ao longo dos 40 anos em que a narrativa se desenrola, o surgimento dos movimentos hippie e punk (entre outros fatos da História mundial), mas no todo a estória não me pegou. Pouca emoção, um narrador muito apaixonado e sempre uma nova travessura de sua amada menina má. O castelhano peruano também me pareceu mais parecido ao português que o colombiano. 400 páginas boas para "practicar" o espanhol. Para "Travessuras da menina má" uma nota 6,0 está até generosa

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Choro a capela




O poder que eu quisera era dominar meu medo.
Por este grande dom troco meu verso, meu dedo,
meus anéis e colar.
Só meu colo não ponho no machado,
porque a vida não é minha.
Com um braço só, uma só perna,
ou sem os dois de cada um, vivo e canto.
Mas com todos e medo, choro tanto
que temo dar escândalos a meus irmãos.
Mas venho e vou,
os 'lobos tristes' a seu modo louvam.
Nasci vacum, berro meu
era só por montar, parir, a boa fome,
os júbilos ferozes.
As vacas velhas têm os olhos tristes?
Tristeza é o nome do castigo de Deus
e virar santo é reter a alegria.
Isto eu quero.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Fernando Pessoa

 
Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver,
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não".
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta...

Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo.

domingo, 31 de julho de 2011

Platoon

Ares, deus da guerra, filho legítimo de Zeus e sua esposa, nossa persona non grata Hera, era louvado nas guerras, o derramamento de sangue era sua glória, seu tributo, e é essa sensação de carnificina que se vê pela ótica do diretor Oliver Stone, que esteve no Vietnã e viu de perto os horrores de uma guerra perdida pelos norte-americanos. O deus da guerra age na pele de um oficial sanguinário, um vilão sem interesse pela vida alheia, e nisso histórias de vidas perdidas em combates passam pela tela acompanahdas da rotina diária do Vietnã. Histórias que devem ser reais, contadas por alguém que viu de perto como a coisa funciona num filme que ganhou o Oscar de melhor filme. Pra quem não se importa com mortes é uma boa pedida. Nota: 8,0

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Já não digo mais que não acredito no amor

Os amantes - Rubem Braga

Nos dois primeiros dias, sempre que o telefone tocava, um de nós dois esboçava um movimento, um gesto de quem vai atender.

Mas o gesto era cortado no ar. Ficávamos imóveis, ouvindo a campainha bater, silenciar, bater outra vez. Havia um certo susto, como se aquele trinado repetido fosse uma acusação, um gesto agudo nos apontando. Era preciso que ficássemos imóveis, talvez respirando com mais cuidado até que o aparelho silenciasse.


Então tinhamos um suspiro de alívio. Havíamos vencido mais uma vez os nossos inimigos. Nossos inimigos era toda a população da cidade imensa, que transitava lá fora nos veiculos dos quais nos chegava apenas um estrondo distante de bondes, a sinfonia abafada das buzinas, às vezes o ruído do elevador. Sabíamos quando alguém parava o elevador em nosso andar; tínhamos o ouvido apurado, pressentíamos os passos na escada antes que eles se aproximassem. A sala da frente estava sempre de luz apagada. Sentíamos, lá fora, o emissário do inimigo. Esperávamos, quietos. Um segundo, dois e a campainha da porta batia, alto, rascante. Ali, a dois metros, atrás da porta escura, estava respirando e esperando um inimigo. Se abríssemos, ele fosse quem fosse nos lançaria um olhar, diria alguma coisa e então o nosso mundo estaria invadido.

No segundo dia ainda hesitamos; mas resolvemos deixar que o pão e o leite ficassem lá fora; o jornal era remetido por baixo da porta, mas nenhum de nós o recolhia. Nossas provisões eram pequenas; no terceiro dia já tomávamos café sem açucar, no quarto a despensa estava praticamente vazia. No apartamento mal iluminado, íamos emagrecendo de felicidade, devíamos estar ficando pálidos, e às vezes, unidos, olhos nos olhos, nos perguntávamos se tudo não era um sonho; o relógio parara, havia apenas aquela tênue claridade que vinha das janelas sempre fechadas; mais tarde essa luz do dia distante, do dia dos outros, ia se perdendo, e então era apenas uma pequena lâmpada no chão que projetava nossas sombras nas paredes do quarto e vagamente escoava pelo corredor, lançava ainda uma penumbra confusa na sala, onde não íamos jamais.

Pouco falávamos: se o inimigo estivesse escutando às nossas portas, mal ouviria vagos murmúrios; e a nossa felicidade imensa era ponteada de alegrias menores e inocentes, a água forte e grossa do chuveiro, a fartura festiva de toalhas limpas, de lençóis de linho.

O mundo ia pouco a pouco desistindo de nós; o telefone batia menos e a campainha da porta quase nunca. Ah, nós tinhamos vindo de muito e muito amargor, muita hesitação, longa tortura e remorso; agora a vida era nós dois, e o milagre se repetia tão quieto e perfeito como se fosse ser assim eternamente.

Sabíamos estar condenados; os inimigos, os outros, o resto da população do mundo nos esperava para lançar seus olhares, dizer suas coisas, ferir com sua maldade ou sua tristeza o nosso mundo, nosso pequeno mundo que ainda podíamos defender um dia ou dois, nosso mundo trêmulo de felicidade, sonâmbulo, irreal, fechado, e tão louco e tão bobo e tão bom como nunca mais, nunca mais haverá.




No oitavo dia sentimos que tudo conspirava contra nós. Que importa a uma grande cidade que haja um apartamento fechado em alguns de seus milhares de edificios; que importa que lá dentro não haja ninguém, ou que um homem e uma mulher ali estejam, pálidos, se movendo na penumbra como dentro de um sonho?

Entretanto, a cidade, que durante uns dois ou três dias parecia nos haver esquecido, voltava subitamente a atacar. O telefone tocava, batia dez, quinze vezes, calava-se alguns minutos, voltava a chamar; e assim três, quatro vezes sucessivas.

Alguém vinha e apertava a campainha; esperava; apertava outra vez, experimentava a maçaneta da porta; batia com os nós dos dedos, cada vez mais forte, como se tivesse certeza de que havia alguém lá dentro. Ficávamos quietos, abraçados, até que o desconhecido se afastasse, voltasse para a rua, para a sua vida, nos deixasse em nossa felcidade que fluía num encantamento constante.

Eu sentia dentro de mim, doce, essa espécie de saturação boa, como um veneno que tonteia, como se meus cabelos já tivessem o cheiro de seus cabelos, se o cheiro de sua pele tivesse entrado na minha. Nossos corpos tinham chegado a um entendimento que era além do amor, eles tendiam a se parecer no mesmo repetido jogo lânguido, e uma vez que, sentado de frente para a janela, por onde se filtrava um eco pálido de luz, eu a contemplava tão pura e nua, ela disse: meu Deus, seus olhos estão esverdeando.

Nossas palavras baixas eram murmuradas pela mesma voz, nossos gestos eram parecidos e integrados, como se o amor fosse um longe ensaio para que um momento chamasse outro; inconscientemente compúnhamos esse jogo de um ritmo imperceptível, como um lento, lento bailado.

Mas naquela manhã ela se sentiu tonta, e senti também minha fraqueza; resolvi sair, era preciso dar uma escapada para obter víveres; vesti-me lentamente, calcei os sapatos como quem faz algo de estranho; que horas seriam?

Quando cheguei à rua e olhei, com um vago temor, um sol extraordinariamente claro me bateu nos olhos, na cara, desceu pela minha roupa, senti vagamente que aquecia meus sapatos. Fiquei um instante parado, encostado à parede, olhando aquele movimento sem sentido, aquelas pessoas e veículos irreais que se cruzavam; tive uma tonteira, e uma sensação dolorosa no estômago.

Houve um grande caminhão vendendo uvas, pequenas uvas escuras; comprei cinco quilos, o homem fez um grande embrulho de jornal; voltei carregando aquele embrulho de encontro ao peito, como se fosse a minha salvação.

E levei dois, três minutos, na sala de janelas absurdamente abertas, diante de um desconhecido, para compreender que o milagre acabara; alguém viera e bate à porta, e ela abrira pensando que fosse eu, e então já havia também o carteiro querendo recibo de uma carta registrada e, quando o telefone bateu, foi preciso atender, e o nosso mundo foi invadido, atravessado, desfeito, perdido para sempre senti que ela me disse isso num instante, num olhar entretanto lento (achei seus olhos muito claros, há muito tempo não os via assim, em plena luz), um olhar de apelo e de tristeza, onde, entretanto, ainda havia uma inútil, resignada esperança.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Qual magia tem Coração de Jesus?

   O que paira no ar corjesuense que transforma seus habitantes inebriando-os e levando-os as mais altas horas da noite? Eu acho que das vezes que saí em Coração cheguei em casa mais com sol que com lua. Onde é que fica a pilha desse povo? Eu acho sim que o povo de Coração farreia mais que o resto, aguenta mais que o resto, bebe mais que o resto. E vai ter festinha nesse final de semana, depois de um ano sem ter, o que deixou todo mundo indignado e também com saudades. Coração da alvorada, todo mundo ainda no parque 7 de horas da manhã, a avenida lotada, carros de som, e depois o dia, a poeira, a cachacinha nos caminhões, a gente amiga e a noite é garantida, até o raiar do dia! 

sábado, 28 de maio de 2011

Amarelo Manga

Um dos melhores filmes brasileiros, muito bom. Abaixo alguns trechos:



"O pudor é a forma mais inteligente de perversão."

"Os brasileiros sentem certa admiração pelo engodo. O prazer do brasileiro médio é ser enganado."

"O ser humana é estômago e sexo, e tem diante de si uma condenação - terá obrigatoriamente que ser livre... Estamos condenados...condenados a ser livres."

"Amarelo é a cor das mesas,
dos bancos,
dos tamboretes,
dos cabos das peixeiras,
da enchada
e da estrovenga,
do carro-de-boi,
das cangas,
dos chapéus envelhecidos,
da charque.
Amarelo das doenças,
das remelas nos olhos dos meninos,
das feridas purulentas,
dos escarros,
das verminoses,
das hepatites,
das diarreias,
dos dentes apodrecidos.
O tempo interior amarelo,
velho,
desbotado,
doente."

Transcrição de parte da sinopse: O universo aqui é o da vida-satélite e dos tipos que giramem torno de órbitras próprias, colorindo a vida de um amarelo hepático e pulsante. Um amarelo-manga, farto."

domingo, 22 de maio de 2011

Eu vou para a Vaquejada de Coração, vou amanhecer o dia

Atração principal da festa, sábado:


04/06/11: Gian e Giovani


fonte :http://gianegiovani.uol.com.br/2009/#agenda

As Regras da Vaquejada



Os personagens que fazem esta festa são os vaqueiros, os cavalos e os bois.

Os Vaqueiros correm em duplas, e apenas um pode derrubar o boi, este chama-se puxador, designado para puxar em duas senhas, caso a vaquejada permita, pois algumas são de uma senha só. O outro vaqueiro é o bate-esteira, que pega na saída do brete o rabo do boi e entrega ao puxador, seguindo sempre ao lado dele, ajustando o boi até a faixa, onde ele tem que ser derrubado. Diferente do puxador, ao esteira é permitido participar de várias senhas.

Numa pista de 160 metros de comprimento com variações em sua largura, demarca-se duas faixas, uma é chamada faixa de tolerância, e a outra é a faixa de pontuação, aonde os bois deverão ser derrubados. Dentro deste limite será válido o ponto, somente quando o boi ao cair, não for arrastado para fora do seu limite, não bater nenhuma parte do seu corpo nela, e ainda dentro da faixa, mostrar as quatro patas e levantar-se sem pisar na mesma ou fora dela. O boi será julgado de pé ou deitado, mas deitado, somente caso não tenha condições de levantar-se.

Quem julga se o boi valeu ou não é o Juiz. Sua cabine fica na lateral da faixa de pontuação e de lá ele diz se o boi derrubado é ?Valeu o Boi?, se o boi valer, ou ?Zero?, quando o vaqueiro perde o boi. O boi que ficar de pé, em cima da faixa, na hora que for puxado, receberá nota zero de imediato.

A pista, a corrida e contagem de pontos também precisam estar de acordo com o regulamento.

A Pista

Apesar dos tamanhos variados, o que se pode chamar de "padrão" é uma pista com superfície de areia, tendo um "brete" e uma porteira para saída do gado. O comprimento médio é de 160m, dos quais os primeiros 100m são reservados para a distância de corrida. Dentro destes 100m, ficam as duas faixas, a de ?Tolerância? e a de ?Pontuação?. A primeira (tolerância) fica à 10m do brete, e a segunda (pontuação), fica à 90m da de tolerância. Neste espaço, de uma faixa pra outra, os vaqueiros ajustam o boi para derrubá-lo. A largura da segunda faixa (pontuação) é de 10m.

Até passar da faixa de tolerância, o boi poderá voltar sem ser retorno, depois dela, o boi voltando (virando a cabeça pro brete) até a segunda linha da segunda faixa (pontuação) é retorno, depois disso o boi é zero. Após a faixa de pontuação, a pista continua por aproximadamente 50m, chamada área de desaceleração do cavalo, ou seja, onde o mesmo diminui sua carreira e tem que parar. A largura varia entre 15m e 20m na saída, 25m na faixa de pontuação e 45m no final da pista. Estas medidas são tomadas sem levar em conta os corredores laterais para o retorno do gado e dos vaqueiros competidores. Estes corredores tem aproximadamente 2m de largura e vão do início da pista (saída do boi do brete), até o final (área de desaceleração).

A Corrida

"Boi saído é boi corrido", expressão muito comum entre os locutores de vaquejada. Traduzindo, diz que a partir daquele momento, uma vez solto, o boi tem todas as condições de ser convertido em pontos, exceto se durante o percurso ele virar sua cabeça em direção ao ponto de partida (brete) ou acontecer um acidente com o cavalo. Se antes de ser solto o vaqueiro achar que o boi não tem cauda suficiente para ser puxado, deve solicitar que o mesmo seja solto e separado da boiada. O puxador, após a saída do boi, aguarda a passagem de sua calda pelo "bate-esteira", que vai seguindo o "puxador" , ajustando o boi na posição correta para alinhar a corrida e conferir a queda no meio das faixas, fazendo valer o boi.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A sabedoria do velho Rubem

Essa crônica está na minha cabeça há dias, não sei porque, nem gosto tanto dela. Como dizem por aqui: " -é fino demais".




O COMPADRE POBRE

O coronel
, que então morava já na cidade, tinha um compadre sitiante que ele estimava muito. Quando um filho do compadre Zeferino ficava doente, ia para a casa do coronel, ficava morando ali até ficar bom, o coronel que arranjava médico, remédio, tudo.
Quase todos os meses o compadre pobre mandava um caixote de ovos para o coronel. Seu sítio era retirado umas duas léguas de uma estaçãozinha da Leopoldina, e compadre Zeferino despachava o caixote de ovos de lá, frete a pagar. Sempre escrevia no caixote: CUIDADO É OVOS - e cada ovo era enrolado em sua palha de milho com todo carinho para não se quebrar na viagem. Mas, que o quê: a maior parte quebrava com os solavancos do trem.
Os meninos filhos do coronel morriam de rir abrindo o caixote de presente do compadre Zeferino; a mulher dele abanava a cabeça como quem diz: qual... Os meninos, com as mãos lambuzadas de clara e gema, iam separando os ovos bons. O coronel, na cadeira de balanço, ficava sério; mas, reparando bem; a gente via que ele às vezes sorria das risadas dos meninos e das bobagens que eles diziam: por exemplo, um gritava para o outro - "cuidado, é ovos"!
Quando os meninos acabavam o serviço, o coronel perguntava:
- Quantos salvaram?
Os meninos diziam. Então ele se voltava para a mulher: a quanto está a dúzia de ovos aqui no Cachoeiro?" A mulher dizia. ele fazia um cálculo do frete que pagara, mais do carreto da esta a casa e coçava a cabeça com um ar engraçado:
• Até que os ovos do compadre Zeferino não estão me saindo caros desta vez.
Um dia perguntei ao coronel se não era melhor avisar ao com Zeferino para não mandar mais ovos; afinal, para ele, coitado, era o sacrifício se desfazer daqueles ovos, levar o caixote até a estação para despachar e ara nos ficava mais em conta comprar ovos na cidade. O coronel me olhou nos olhos e falou sério:
- Não diga isso. O compadre Zeferino ia ficar muito sem graça. Ele é muito pobre. Com pobre a gente tem de ser muito delicado, meu filho.

Novembro, 1952

domingo, 24 de abril de 2011

Está chegando a época das Vaquejadas no Norte de Minas




História da Vaquejada, segundo a Wikipedia

Na época dos coronéis, quando não havia cercas no sertão nordestino, os animais eram marcados e soltos na mata. Depois de alguns meses, os coronéis reuniam os peões (vaqueiros) para juntar o gado marcado. Eram as pegas de gado, que originalmente aconteciam no Rio Grande do Norte. Montados em seus cavalos, vestidos com gibões de couro, estes bravos vaqueiros se embrenhavam na mata cerrada em busca dos bois, fazendo malabarismos para escaparem dos arranhões de espinhos e pontas de galhos secos. Alguns animais se reproduziam no mato. Os filhotes eram selvagens por nunca terem mantido contato com seres humanos, e eram esses animais os mais difíceis de serem capturados. Mesmo assim, os bravos vaqueiros perseguiam, laçavam e traziam os bois aos pés do coronel. Nessa luta, alguns desses homens se destacavam por sua valentia e habilidade, e foi daí que surgiu a idéia da realização de disputas
Somente em 1874 apareceu o primeiro registro de informação sobre vaquejada. O escritor José de Alencarr escreveu a respeito da "puxada de rabo de boi" no Ceará, mas não como sendo algo novo, ele deixou claro que a prática já ocorria anteriormente.
Sem registros precisos de datas, sabe-se apenas que em meados de 19400 os vaqueiros de várias partes do nordeste começaram a tornar público suas habilidades, na Corrida do Mourão, que começou a ser uma prática popular na região nordeste.
Os coronéis e senhores de engenho passaram a organizar torneios de vaquejadas, onde os participantes eram os vaqueiros, e os patrões faziam apostas entre si, mas ainda não existiam premiações para os campeões. Os coronéis davam apenas um "agrado" para os vaqueiros que venciam. A festa se tornou um bom passatempo para os patrões, suas mulheres e seus filhos.
Após alguns anos, pequenos fazendeiros de várias partes do nordeste começaram a promover um novo tipo de vaquejada, onde os vaqueiros tinham que pagar uma quantia em dinheiro, para ter direito a participar da disputa. O dinheiro era usado para a organização do evento e para premiar os vencedores.
As montarias, que eram formadas basicamente por cavalos nativos daquela região, foram sendo substituídas por animais de melhor linhagem. O chão de terra batida e cascalho, ao qual os peões estavam acostumados a enfrentar, deu lugar a uma superfície de areia, com limites definidos e regulamento. 

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Manoel Bandeira

Belo Belo

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida vida noves fora zero.

Petrópolis, fevereiro de 1947

domingo, 20 de março de 2011

Dioniso e Ariadne, o labirinto

Ariadne "a senhora do labirinto", foi a esposa de Dioniso, ela era filha do rei de Tebas, Minos e por conseguinte meia-irmã do Minitauro. O famoso Minotauro, homem com cabeça de touro era fruto da relação da rainha de Tebas com um touro, este touro havia sido um presente de Poseidon (deus do mar) dado ao rei Minos, o mais belo animal já visto que deveria voltar a ser dado em sacrifício ao deus dos mares, não cumprindo o prometido de matar o touro, Poseidon faz com que a rainha se apaixone pelo touro, da relação entre os dois nasce então o Minotauro. Minos ordena ao artífice Dédalo que construa um labirinto onde encerrou o monstro. Todo o ano  7 moças e 7 rapazes eram jogados no labirinto para aplacar a fome do Minotauro. Teseu, famoso herói ateniense, se oferece para ser dado em sacrifício ao monstro, com a intenção de livrar o povo desse peso, a jovem princesa Ariadne vendo o gesto brilhante do rapaz se apaixona por ele e se compromete a ajudá-lo, caso ela a leve embora com ele e a despose. Teseu concorda, Ariadne dá então a ele uma espada e um novelo, através dos quais Teseu mata a fera, e seguindo o fio, consegue sair depois do labirinto. Os dois fogem, mas ao chegar a ilha de Naxos, Teseu abandona Ariadne adormecida na ilha. Atena se compadece da pobre jovem e a compensa com um amante imortal, Dioniso. Ele chega a ilha, encontra Ariadne e se apaixona por ela, como presente de casamento lhe dá uma coroa de diamantes que após sua morte é lançada ao céu e se torna uma constelação. Após falhar com o labirinto, Dédalo é mandado pelo rei para dentro dele, juntamente com seu filho Ícaro, de lá consegue escapar construindo para ele e seu filho asas de cera. Dédalo recomenda a Ícaro que não voe perto demais do sol para que a cera não derreta, mas quando está no céu maravilhado, Ícaro ignora os conselhos do pai, voa alto demais e cai após suas asas se desfazerem pelo calor.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Ter idéias! Sim. O segredo da vida. Executar suas idéias, a realização de uma vida. Eureka! E vamos em frente, mudar o nosso mundo, por quê ficar parado? Nós podemos sempre melhorar, viver, se libertar. "É chegada a hora da mudança, e se não ousarmos fazê-la, estaremos sempre a margem de nós mesmos."

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Uma ano sem carnaval é um ano perdido - Eu sou um folião

Terceira e última das 3 crônicas de Rubem Braga sobre o carnaval que vou publicar, a única que acho relevante mesmo mostrar, as outras são mais para formar o contexto, o velho Braga suga a alma do carnaval, que todos nós já sentimos. Você acredita que eu não achei o texto na internet e vou ter que digitar tudo.

Carnaval

   Incipiente alegria na tarde carnavalesca. Os sambas passam nos automóveis abertos. Um vento beija a avenida larga, tremula nas serpentinas, rodopia nos confetes, caminha na voz das cantigas. As moças lindas, em fantasias de cores vivas e leves, vão com os cabelos alvoroçados pelo vento. Meu amigo comprou 200 gramas metálicas. Andou pelas ruas que se animavam. Encheu os bolsos de confetes. Foi andando...
   E na boca da noite vieram cordões, ranchos, blocos, bandos. A multidão encheu as ruas que a noite engoliu. Mas as luzes rebentaram de todos os lados e a garganta da massa se abriu em delírio. Meu amigo foi andando. Apertou-se entre homens excitados e mulheres que cantavam e riam. Entrou na confusão das raças irmanadas pelo prazer comum da carne. Alguém lhe jogou confete na boca, lança perfume nos olhos. Uma serpentina bateu em seu nariz. Um reco-reco gritou em seu ouvido. Foi andando. Um automóvel do corso quase o esmagou. Uma mulher qualquer cantou a toa, para ele, uma frase de samba. Jogou um pouco de confete nos cabelos da mulher. Jogou-lhe éter no corpo. Ela defendeu-se e riu. Depois desapareceu arrastada. Meu amigo foi andando. Tinha um cravo na lapela, um cravo que tirara da mesa do restaurante. Uma mulher pediu a flor. Ele a encharcou de éter e fez presente. Foi andando. Automaticamente cantou sambas e marchas. Teve mil aventuras inconsequentes e rápidas. Um homem bêbado quis arrebatar o lança-perfume de sua mão. Foi andando, No meio de uma confusão No meio de uma confusão, recebeu e distribuiu socos e empurrões sem saber de quem, para quem, por que, nem para quê.
   Meu amigo entrou no baile. Agarrou-se ao ombro de uma mulher e foi no cordão, dançando, cantando, suando. Repetiu três vezes com o mesmo par a marchinha do momento. apaixonou-se de repente por uma fantasia, por um corpo, por uma risada. Bebeu.
   Meu amigo foi a outro baile.
   De madrugada meu amigo saiu pela rua vazia, sem programa. Passavam os foliões cansados, as mulheres mais belas pela fadiga e pelo suor. Um homem grisalho carregava pelo braço um adolescente que se queixava de dor no pés. Meu amigo arranjou uma mulher: a mulher que sempre aparece. A mulher que não vimos na rua nem no baile e que aparece na mesa do restaurante, no último instante. Esguichou seu último lança-perfume nos braços e seios da mulher. Jogou os últimos confetes em seu cabelo. Ela repetiu um samba mil vezes repetido.
   Foram. No caminho meu amigo parou. No canto da calçada, um menino sujo e esfarrapado dormia. Dormia sobre um saco cheio de serpentinas que juntara pra vender. Pararam. A mulher disse: coitadinho... Meu amigo olhou em silêncio o menino que dormia. Sentiu pena. Olhou a mulher. Balançou a bisnaga. Ainda havia um resto de éter. Jogou na perna da criança, que acordou assustada. A mulher disse: você é ruim! coitadinho... A criança ficou olhando estremunhada, resmungou um xingamento e tornou a dormir. Meu amigo jogou a bisnaga no asfalto. Sentia-se bêbado. Apertou a mulher contra seu corpo e mandou parar um automóvel que passava. No apartamento, antes de deitar-se, olhou-se no espelho do guarda-roupa. Fantasiado. Exausto. Beijou a mulher como se beija uma noiva. E pensou desanimado: eu sou um folião. Evoé!
-São Paulo , fevereiro, 1934


Rubem Braga em A borboleta amarela


Evoé: tradicional grito de evocação a Dioniso, deus do vinho

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Aqui no Cerrado é época de panã

E de pitomba


E o pessoal mais ao sul nem conhece do que estou falando: murici, cagaita, mangaba, cajá, umbú, ciriguela, pintanga (da roxa e da vermelha), coquinho azedo, coco macaúba, uma ameixa amarela (que desconfio que tem outro nome), hum e aquele jambo de casaca amarela docinho, que é só uma casca com um caroço solto dentro, ai, ai, como é doce o meu Cerrado, ou melhor, ele tá mais pra azedinho. 


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Nelson Rodrigues - o anjo pornográfico


Adoro o final deste texto, Nelson Rodrigues, sempre macabro

Beijo no telefone

Caiu das nuvens:
   -Você é casada?
   E ela:
   -Não sabia?
   Põe as mãos na cabeça :
   -Nem podia imaginar. Mas casada mesmo, no duro?
   Sorriu, refazendo a pintura:
   -Casadíssima!
   Estavam numa sorveteria. Depois do breve lanche. Angelita passara batom nos lábios, Sérgio paga a despesa, ainda impressionado. Levanta-se e sai com a pequena. Lá fora ele continua:
   -Pois olha: estou besta, ouviu? Com minha cara no chão! E sabe o que é que me espanta, em vocês, mulheres? É a naturalidade! Você encontra-se comigo, anda comigo e nem parece!
   Pararam na esquina. Antes de se despedir, Angelita ergue o olhar sereno:

   -Faz diferença?

   Vacila:
   -Bem. Fazer diferença, não faz. Em todo caso acho gozadíssimo.
   Três dias antes, ele vinha passando, de automóvel, quando a viu, numa fila de ônibus. angelita tinha vinte anos e aparentava muito menos. Havia nela, na sua figurinha e modos, algo adolescente. Foi esta frescura de menina e de mulher que o atraiu. Sérgio arriscou um convite. Não houve resistência. Imediatamente, Angelita abandonou a fila, sentou-se, na frente, ao seu lado. E o automóvel - um conversível - arrarncou, numa velocidade macia, quase imperceptível. Cinco minutos depois, a camiho de Copacabana, pareciam íntimos. Conversaram sobre muitos assuntos, mas não coincidiu nenhuma referência ao estado civil de ambos. Sérgio a deixou numa esquina da avenida Atlântica, com um encontro marcado para o dia seguinte. E, assim começou o romance. Na terceira vez, ele, sabe, com imensa surpresa, que Angelita erra casada. Baixa a voz:
   -Posso te fazer uma pergunta?
   -Claro!
   E ele:
   -É a primeira vez que faz isso?
   -Evidente!

uma opinião
   Deixou a pequena e encontra, mais adiante, seu amigo Queiroz. Arrastou-o para uma mesa de bar. Conversa vai, conversa vem, e resume para o amigo o novo romance. Termina num desabafo:
   -Não gosto de mulher casada, percebeste? Acho meio chato!
   -Por quê?
   -Pelo seguinte: ela trai o marido comigo; e me trai com o marido, Tipo da mágica besta!
   O amigo foi cínico, foi brutal:
   -Ora, não amola! E te digo mais: nada como mulher dos outros, a mulher alheia! Deixa de ser burro e mergulha de cara!
   Restava o problema do medo:
   -E se o marido for violento? Se me der um tiro?
   O outro achou graça:
   -Ninguém dá mais tiro em ninguém! Hoje, o sujeito sabe e finge que não sabe! Vai ver que o mairdo da tua pequena quer sombra e água fresca!
   -Sei lá, rapaz, sei lá!
   Continuavam com os encontros, com os passeios. Mas Sérgio era uma vítima de seus próprios escrúpulos. A princípio, fez, de si para si, os seguintes cálculos: "Vai ver que o mairdo a trata mal, não a compreende!" Sondou a pequena. Angelita porém o desiludiu: "Ele até que me trata muito bem e me dá tudo." No seu espanto, Sérgio pergunta: "Mas vem cá. Explica um coisa." Pausa e prossegue:
   -Não te dói, não te dá remorso fazer isso?
   Protesta, aborrecida:
   -Mas isso não é nenhum bicho-de-sete-cabeças, carambolas! Francamente, não sei por que você está fazendo esse cavalo de batalha!
   E ele:
   -Não é cavalo de batalha. Afinal de contas, é seu marido, você se casou com ele!
   Angelita perdeu a paciência:
   -Quer saber uma coisa? Você já está enchendo com esse negócio! Ele não é o primeiro marido enganado, nem o último! Responde apenas uma coisa: você me quer ou não me quer?
   Teve subitamente o medo de perdê-la. Balbuciou:
   -Quero!
   Então já sabe: fala de mim, fala de ti, mas não fala do meu marido. Combinado?
   Admite:
   -Sim.

lua-de-mel
   Foi uma lua-de-mel de novela, de filme. Três vezes por semana, Sérgio vinha buscá-la, depois do almoço, de automóvel. A menina e o automóvel partiam , a toda velocidade, numa espécie de fuga. Dir-se-ia um rapto maravilhoso. Iam para uma pequena casa, de paredes brancas e janelas azuis, que Sérgio alugara na Gávea. Passavam, lá, de cada vez, três ou quatro horas delirantes. De vez em quando, ocorria-lhe idéias voluptuosas: "Vem sem calça amanhã, vem! Saia de colante e sem calça." E a felicidade de Sérgio só não era absoluta por causa do outro, do marido. A existência de um traído, de um enganado, era algo pertubador. Angelita parecia esquecida de tudo e de todos. Mas esse abandono não a impedia de controlar o tempo. Às seis horas, erguia-se: "Preciso ir, preciso ir." O marido chegava em casa às oito horas, quase sempre. Angelita fazia questão de estar, lá, para recebê-lo. Às vezes, Sérgio queria retê-la:
   -Fica mais um pouco. Dez minutos, Fica!
   Corria nua para o banheiro:
   -Não, não. Está na hora. Tenho de ir

no telefone
   Viveram assim uns três meses. E a única restrição que ele fazia à pequena era sua absoluta naturalidade no pecado. E, com efeito, nada turvava a sua felicidade. Ele não compreendia que uma esposa pudesse trair, assim, sem pena, sem dor, sem remorso. Uma tarde, porém, os dois pareciam mais enamorados do que nunca. Foi como se, de repente, tudo tivesse deixado de existir. Perderam noção de tempo, de espaço; e houve um momento em que apertando o rosto do ser amado, entre as mãos, Angelita teve um soluço: "Eu queria morrer agora! Num momento assim!" Era tarde. E, de súbito, ela apanha o relógio de pulso, na mesa-de-cabeceira. Toma um susto: "Já?" Vira-se para Sérgio: "Oito horas!" Levanta-se e faz seus cálculos: àquela hora o marido estaria em casa. Pergunta: "E agora?" Ainda imerso no sonho ele balbucia: "Inventa uma desculpa!" Ao lado da cama estava o telefone. Nervosíssima, Angelita disca. Do outro lado, atende uma voz masculina. Era ele, o marido. Com uma das mãos, Angelita segura o fone; com a outra, puxa a cabeça de Sérgio. Seus rostos estão unidos. E ela fala com o marido:
   -Meu bem. eu estou aqui, na casa da fulana, ouviu? E vou chegar um pouquinho mais tarde.
   O esposo faz um comentário qualquer. Angelita ri e continua:
   -Não desliga, já, não, que eu quero te dar um beijo gostoso, daqueles. Está ouvindo?
   A boca de Sérgio está bem perto. Ela aproxima, mais e mais, o telefone. Une os seus lábios aos do amante, num beijo estaladíssimo. Fala de novo:
   -Você ouviu? Gostou? E olha: vou já, chispada!

idéia fixa
   Quando larga o telefone e olha para Sérgio, toma um susto. Com um esgar de nojo, ele passa as costas da mão na boca, como que para limpá-la da lembrança de todos os beijos. Em seguida, põe a cabeça para fora da cama e cospe no chão. Sem entender, Angelita faz espanto: "Que é isso!" E ele, em pé, no meio do quarto, crispado de ódio:
   -Não quero mais teus beijos! Nunca mais! Tenho nojo de ti! - e soluça: -Cínica! Cínica!
   Angelita teve que sair, dali, às pressas, escorraçada. E, então, aconteceu o seguinte: aquele moço rico e bonito, que viva conquistando uma e outra, nunca mias beijou uma mulher. Encerrou-se em casa. Mas se via, da janela, uma menina, uma senhora, uma moça, torcia-se de náuseas medonhas. Primeiro, odiou uma mulher determinada; depois, todas as outras; e por fim, a própria vida.


sábado, 29 de janeiro de 2011

Lolita

CAPA DO FILME DE STANLEY KUBRICK
Você se sente na mente de um pedófilo ao ler o livro de Vladimir Nobockov, umas das características que mais gosto em livros é quando você entende a motivação do personagem, como Flaubert faz divinamente em Madame Bovary, a entendiada dona de casa francesa. O livro que deu origem a expressão que consagrou todas as ninfetas é maravilhoso. Paro em casa a ver no Cinemax o segundo filme feito baseado no livro, a obsessão do narrador pela garota, sua desorientação, esse filme é mais fiel ao livro, o genial Satanley Kubrick diretor do primeiroo filme, se mantem fiel ao seu estilo sombrio, a película em preto e branco tem uma lolita mais mulher fatal, um pouco mais velha, 18 talvez, nosso narrador prefere moças mais jovens. Mas não fazem sombra ao livro, você não entenderia tão bem o que se passa na cabeça de um pedófilo.Para o livro: 10.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Rubem Braga e o Carnaval: "Os carnavais de antigamente"

E como era o seu carnaval, como via a suprema das festas. Como nós brasileiros sentimos o extâse dessa festa, dessa embriaguez, dessa libertação, poder ser o que se quer, fazer o que se quer, a obrigação de festejar?   

     Para responder, há tempos, a uma enquete de jornal, fiz um esforço para apurar minhas primeiras lembranças carnavalescas. Vi-me a mim mesmo e a meu irmão, muito pequenos  mas de calças compridas, uma faixa vermelha na cintura, com bigodes e costeletas pintados a rolha queimada… De pouco mais me lembro, mas creio que éramos nada menos do que mexicanos. Também tenho uma vaga noção de que cheguei cheguei a apache, mas não estou muito seguro.
    O que me encantava, e até hoje me seduz no carnaval, era a transfiguração das pessoas. As pessoas grandes que eu via todo dia em Cachoeiro, sérias, em seus trajes vulgares, de repente viravam piratas, cowboys, esqueletos, cossacos, índios, sultões, mosqueteiros, palhaços, cozinheiros, almirantes. De um certo ponto de vista parece que eu “acreditava” um pouco nas fantasias, isto é, passava a associar aquelas pessoas às fantasias que tinham usado no carnaval, como se essas fantasias fossem a sua verdade secreta. O disfarce era uma revelação, eis o que eu sentia inconscientemente.


***

    O cheiro de lança-perfumes, os confetes, as serpentinas, a musica, tudo era transfiguração. Para o adolescente tímido, as mocinhas deixavam de ser intocáveis ao mesmo tempo que ficavam muito mais maravilhosas – ciganas, piratas de coxas nuas, odaliscas, bailarinas, pierretes.
    Só no carnaval eu tinha coragem de dançar; ele é a grande festa dos tímidos. Moças que passavam por mim na rua apenas murmurando um “bom-dia”, com um rápido olhar – que milagre! – no carnaval sorriam, cantavam para mim, olhos nos olhos, se deliciavam com o jato do meu lança-perfume, deixavam que eu enchesse seus cabelos de confetes, que as prendesse eternamente com voltas de serpentina – e havia momentos de quase êxtase no tumulto das danças. 

***

    Havia uma instituição espantosa para nossa cidade pudica: era, digamos assim, o carro das mulheres. Naturalmente um grande carro aberto cheio de mulheres fantasiadas, a jogar serpentinas, empunhando bisnagas de cem gramas, pintadíssimas, alegríssimas, passeando escandalosamente no meio da gente e dos carros familiares, entre blocos de mocinhas. E todo ano havia um rapazinho que se embriagava e saía no carro das mulheres. Ia ali abraçando a duas gordas, empunhando uma garrafa de cerveja, enfrentando a censura das famílias, mostrando que já era homem, que era farrista, que era um perdido.
    O moço de família que tinha a coragem suprema de fazer essa exibição me parecia um herói do vicio. Moças recusavam-se a dançar com ele na noite seguinte, no baile dos Caçadores; era, durante algum tempo, um intocável, um imundo. Mas os homens mais velhos comentavam aquilo sorrindo, com simpatia: rapaziadas…