Total de visualizações de página

terça-feira, 30 de novembro de 2021

A dialética união humana

 Pensei no títula pela letra de Senegal, fui procurá-la a ver como era extamente, achei lindo a letra, falando no Ilê-aiyê com o Senegal como enredo do ano, obatalô ago iê.

  Mas viemos falar de dialética. Primeiras notícias a cerca de 2400 anos atrás na fervescente Atenas tentando constiruir-se como sociedade, nosso narrador Platão nos conta que Sócrates, sendo filha de parteira, andava pela cidade a extrair, a parir idéias, pelo confronto de opniões. O famoso "Só sei que nada sei, mas vamos descobrir juntos".

   Ao raciocinar conversamos apneas comosco mesmos, ao conversar com outro duas razões se juntam na descoberta pela verdade. É interessante a interpretação de alguns sobre a formação das ideias em Platão, onde nós, vindos do bem, da substância pura, vimos a verdade uma vez, e a conhecemos, porém ao vir para esse mundo a esquecemos, mas ela está lá latente, precisamos extraí-la, parir a ideia do nosso âmago, e se cada um completa uma parte a expressão da coisa em si se torna mais evidente. Cada qual passou, se interessou por coisas diferentes, e compartilhou pensamentos agredadores, mais pedaços do imontavél quebra-cabeças.Como é utópica a democracia! Linda!...

   


quinta-feira, 13 de março de 2014

POEMA JET-LAGGED ,"uma parte dele"

Viajar para que e para onde,
se a gente se torna mais infeliz
quando retorna?
Infeliz e vazio, situações
e lugares desaparecidos no ralo,
ruas e rios confundidos, muralhas, capelas,
panóplias, paisagens, quadros,
duties frees e shoppings…

Grande pássaro de rota internacional
sugado pelas turbinas do jato.

E ponte, funicular, teleférico, catacumbas
do clube do vinho, sorbets, jerez,
scanners, hidrantes, magasin d’images et de signes,
seven types of ambiguity, 
todas as coisas perdem as vírgulas que as separam
explode-implode um vagão lotado de conectivos
o céu violeta genciana refletido
na agulha do arranha-céu de vidro...

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Paulo Leminski

SUJEITO INDIRETO  



   Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
   feito a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito.
   Quem dera eu visse o outro lado,
o lado de lá, lado meio,
   onde o triângulo é quadrado
e o torto parece direito.
   Quem dera um ângulo reto.
Já começo a ficar cheio
   de não saber quando eu falto,
de ser, mim, indereto sujeito.

* * *
 
en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas
 
* * *
 
   para que leda me leia
precisa papel de seda
   precisa pedra e areia
para que leia me leda
 
   precisa lenda e certeza
precisa ser e sereia
   para que apenas me veja
 
   pena que seja leda
quem quer você que me leia



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Do livro Carnaval de Manoel Bandeira:

BACANAL


Quero beber! cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco...
          Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo...
          Evoé Momo!

Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos...
          Evoé Vênus!

Se perguntarem: Que mais queres,
Além de versos e mulheres?...
-Vinhos!... o vinho que é o meu fraco!...
          Evoé Baco

O alfange rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!...
          Evoé Momo!

A Lira etérea, a grande Lira!...
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
          Evoé Vênus!

PIERRETTE 


O relento hiperestesia
O ritmo tardo de meu sangue.
Sinto correr-me a espinha langue
Um calefrio de histeria...

Gemem ondinas nos repuxos
Das fontes. Faunos aparecem.
E as salamandras desfalecem
Nas sarças, nos braços dos bruxos.

Corro à floresta: entre miríades
De vaga-lumes, junto aos troncos,
Gênios caprípedes e broncos
Estupram virgens hamadríades.

Ergo os  olhos súplices: e vejo,
Ante as minhas pupilas tontas, 
No sete-estrelo as sete pontas
De sete espadas do desejo.

O sexo obsidente alucina
A minha índole surpresa:
As  imagens da natureza
São um delírio de morfina.

A minha carne complicada
Espreita, em voluptuoso ardil,
Alguém que tenha a alma sutil,
Decadente, degenerada!

E a lua verte como uma âmbula
O filtro erótico que assombra...
Vem, meu Pierrot, ó minha sombra
Cocainômana e noctâmbula!...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

VOTOS PARA O ANO NOVO

os cronistas mais organizados costumam escolher, no fim de ano, os dez melhores, os dez maiores, os dez mais isto ou aquilo do ano que passou. Essas escolhas públicas não têm a o encanto das escolhas particulares, feitas em uma pequena roda, em que costuma decidir, depois de severos debates, qual foi o maior "fora", o pior vexame, o melhor golpe do baú, o maior chato do ano, a mais bela dor-de-cotovelo, o mais louvável infarto do miorcádio, o party mais fracassado, a cena  mais ridícula, o marido mais manso etc. Note-se que para a escolha deste último deve-se levar em conta que há muitos cavalheiros que não podem ser aceitos no páreo, devem ser considerados hors-concours. É preciso incentivar os novos valores.

*
 
   Depois desse salutar exercício, proponho que cada pessoa faça um exame de consciência e pergunte a si mesma com que direito se avora em juiz dos outros. Pense nos seus próprios pecados, nos seus próprios ridículos. Procure ver a si mesmo como se fosse alguém a quem quisesse ridicularizar. Como seria fácil! Quem sabe que a virtude de que você mais se envaidece é menos uma virtude do que medo da polícia, ou, mais comumente, do ridículo?
   Dizem que o cirme não compensa. E a virtude, compensará? Espero que sim; mas talvez só no outro mundo. Neste aqui não sei; mas conheço pessoas virtuosas que me parecem tão azedas, tão infelizes, tã entendiadas, tão sem graça com a própria virtude que dão vontade da gente dizer:
   - Está muito bem, nossa amizade, você é formidável. Mas assim também enoja. Peque pelo menos uma vezinha, sim? É bom para relaxar.
 
*
 
   Raul de Leoni sonhava com... "um cristianismo ideal, que não existe, onde a virtude não precisasse ser triste, onde a tristeza fosse um pecado venial..."
   Acho que a pessoa querer buscar a felicidade em pecados e sujeiras só não é um erro quando a pessoa tem muita vocação para essas coisas. A maoir parte dos sujos tem uma inveja secreta dos honrados, dos limpos. Sofre com isso. Sofre tanto quanto os que vivem atrás do gabarito da própria virtude.
 
*
 
   Desejo a todos, no Ano-Novo, muitas virtudes e boas ações e alguns pecados agradáveis, excitantes, discretos, e principalmente, bem-sucedidos.
 
 
Rubem Braga



sábado, 24 de novembro de 2012

WALY SALOMÃO

POR UM NOVO CATÁLOGO DE TIPOS


Por aqui tem feito D dias lindos
Procurar um outro AR
                 ALTERAR
E o meu ser se esgota na procura patológica
Do que nem sei que é
E esse é
Não há nunca
Em parte alguma
Prazer algum
Mantra mito nenhum
Que me
                        Baste.

ALTERAR



(1974 - Revista Pólem)

sábado, 20 de outubro de 2012

O Bobo

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo, estou pensando".

Ser bobo, às vezes, oferece um mundo de saídas, porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias, que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
...

A vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto, estar tranqüilo, enquanto o esperto não dorme à noite, com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compesação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto, não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático, que há espertos que tentam se passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos, porque sabem, sem que ninguém desconfie. Aliás, não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall,que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar o excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo."

(Clarice Lispector)

sábado, 29 de setembro de 2012

Rita


NO MEIO da noite despertei sonhando com minha filha Rita. Eu a via nitidamente, na graça de seus 5 anos.

   Seus cabelos castanhos - a fita azul - , o nariz reto, correto, os olhos de água, o riso fino, engraçado, brusco...

   Depois de  um instante de seriedade; minha filha Rita encarando a vida sem mêdo, mas séria, com dignidade.

   Rita ouvindo música; vendo campos, mares, montanhas; ouvindo de seu pai o pouco, o nada que êle sabe das coisas, mas pegando dêle seu jeito de amar - sério, quieto, devagar.

   Eu lhe traria cajus amarelos e vermelhos, seus olhos brilhariam de prazer. Eu lhe ensinaria a palavra cica, e também a amar os bichos tristes, a anta e a pequena cotia; e o córrego; e a nuvem tangida pela viração.

   Minha filha Rita em meu sonho me sorria - com pêna deste pai, que nuca a teve.

 

Rubem Braga - Janeiro, 1955

sexta-feira, 15 de junho de 2012

ALMOÇO MINEIRO


   Éramos dezesseis, incluindo quatro automóveis, uma charrete, três diplomatas, dois jornalistas, um capitão-tenente da Marinha, um tenente coronel da Força Pública, um empresário do cassino, um prefeito, uma senhora loura e três morenas, dois oficiais de gabinete, uma criança de colo e outra de fita cor-de-rosa que se fazia acompanhar de uma boneca.
   Falamos de vários assuntos incofessáveis. Depois de alguns debates ficou assentado que Poços de Caldas é uma linda cidade. Também se deliberou, depois de ouvidos vários oradores, que estava um dia muito bonito. A palestra foi decaindo, então, para assuntos muito escabrosos: discutiu-se até política. Depois que uma senhora paulista e outra carioca trocaram idéias a respeito do separatismo, um cavalheiro ergueu um brinde ao Brasil. Logo se levantaram outros, que infelizmente, não nos foi possível anotar, em vista de estarmos situados na extremidade da mesa. Pelo entusiasmo reinante supomos que foram brindados o soldado desconhecido, as tardes de outono, as flores dos vergeis, os proletários armênios e as pessoas presentes. O certo é que um preto fazia funcionar sua harmônica, ou talvez a sua concertina, com bastante sentimento. Seu Nhonhô cantou ao violão com a pureza e a operosidade inerentes a um velho funcionário municipal.
   Mas nós todos sentíamos, no fundo do coração, que nada tinha importância, nem a Força Pública, nem o violão de seu Nhonhô, nem mesmo as águas sulfurosas. Acima de tudo pairava o divino lombo de porco com tutu de feijão. O lombo era macio e tão suave que todos imaginamos que seu primitivo dono devia ser um porco extremamente gentil, expoente da mais fina flor da espiritualidade suína. O tutu era um tutu honesto, forte, poderoso saudável.
   É inútil dizer qualquer coisa a respeito dos torresmos. Eram torresmos trigueiros como a doce amada de Salomão, alguns louros, outros mulatos. Uns estavam molinhos, quase simples gordura. Outros eram duros e enroscados, com dois ou três fios.
   Havia arroz sem colorau, couve e pão. Sobre a toalha havia copos cheios de vinho ou de água mineral, sorriso, manchas de sol e a frescura do vento que sussurrava nas árvores. E no fim de tudo houve fotografias. É possível que nesse intervalo tenhamos esquecido uma encantadora linguiça de porco e talvez um pouco de farofa. Que importa? O lombo era o essencial, e a sua essência era sublime. Por fora escuro, com tons de ouro. A faca penetrava nele tão docemente como a alma de uma virgem penetra no céu. A polpa se abria, levemente enfibrada, muito branquinha, desse branco leitoso e doce que têm certas nuvens às quatro e meia da tarde na primavera. O gosto era de um salgado distante e de uma ternura quase musical. Era um gosto indefinível e puríssimo, como se o lombo fosse lombinho da orelha de um anjo ouro. Os torresmos davam um toque marítimo, salgados e excitantes da saliva. O tutu tinha o sabor que deve ter, para uma criança que fosse gourmet de todas as terras, a terra virgem recolhida muito longe do solo, sob um prato cheio de flores, terra com perfume vegetal diluído mas uniforme. E do prato inteiro, onde havia um jogo ameno de cores cuja nota mais viva era o verde molhado da couve - do prato inteiro, que fumegava suavemente, subia para nossa alma um encanto abençoado de coisas simples e boas.
   Era o encanto de Minas.
São Paulo, 1934.