E como era o seu carnaval, como via a suprema das festas. Como nós brasileiros sentimos o extâse dessa festa, dessa embriaguez, dessa libertação, poder ser o que se quer, fazer o que se quer, a obrigação de festejar?
Para responder, há tempos, a uma enquete de jornal, fiz um esforço para apurar minhas primeiras lembranças carnavalescas. Vi-me a mim mesmo e a meu irmão, muito pequenos mas de calças compridas, uma faixa vermelha na cintura, com bigodes e costeletas pintados a rolha queimada… De pouco mais me lembro, mas creio que éramos nada menos do que mexicanos. Também tenho uma vaga noção de que cheguei cheguei a apache, mas não estou muito seguro.
O que me encantava, e até hoje me seduz no carnaval, era a transfiguração das pessoas. As pessoas grandes que eu via todo dia em Cachoeiro, sérias, em seus trajes vulgares, de repente viravam piratas, cowboys, esqueletos, cossacos, índios, sultões, mosqueteiros, palhaços, cozinheiros, almirantes. De um certo ponto de vista parece que eu “acreditava” um pouco nas fantasias, isto é, passava a associar aquelas pessoas às fantasias que tinham usado no carnaval, como se essas fantasias fossem a sua verdade secreta. O disfarce era uma revelação, eis o que eu sentia inconscientemente.
O cheiro de lança-perfumes, os confetes, as serpentinas, a musica, tudo era transfiguração. Para o adolescente tímido, as mocinhas deixavam de ser intocáveis ao mesmo tempo que ficavam muito mais maravilhosas – ciganas, piratas de coxas nuas, odaliscas, bailarinas, pierretes.
Só no carnaval eu tinha coragem de dançar; ele é a grande festa dos tímidos. Moças que passavam por mim na rua apenas murmurando um “bom-dia”, com um rápido olhar – que milagre! – no carnaval sorriam, cantavam para mim, olhos nos olhos, se deliciavam com o jato do meu lança-perfume, deixavam que eu enchesse seus cabelos de confetes, que as prendesse eternamente com voltas de serpentina – e havia momentos de quase êxtase no tumulto das danças.
Havia uma instituição espantosa para nossa cidade pudica: era, digamos assim, o carro das mulheres. Naturalmente um grande carro aberto cheio de mulheres fantasiadas, a jogar serpentinas, empunhando bisnagas de cem gramas, pintadíssimas, alegríssimas, passeando escandalosamente no meio da gente e dos carros familiares, entre blocos de mocinhas. E todo ano havia um rapazinho que se embriagava e saía no carro das mulheres. Ia ali abraçando a duas gordas, empunhando uma garrafa de cerveja, enfrentando a censura das famílias, mostrando que já era homem, que era farrista, que era um perdido.
O moço de família que tinha a coragem suprema de fazer essa exibição me parecia um herói do vicio. Moças recusavam-se a dançar com ele na noite seguinte, no baile dos Caçadores; era, durante algum tempo, um intocável, um imundo. Mas os homens mais velhos comentavam aquilo sorrindo, com simpatia: rapaziadas…
Para responder, há tempos, a uma enquete de jornal, fiz um esforço para apurar minhas primeiras lembranças carnavalescas. Vi-me a mim mesmo e a meu irmão, muito pequenos mas de calças compridas, uma faixa vermelha na cintura, com bigodes e costeletas pintados a rolha queimada… De pouco mais me lembro, mas creio que éramos nada menos do que mexicanos. Também tenho uma vaga noção de que cheguei cheguei a apache, mas não estou muito seguro.
O que me encantava, e até hoje me seduz no carnaval, era a transfiguração das pessoas. As pessoas grandes que eu via todo dia em Cachoeiro, sérias, em seus trajes vulgares, de repente viravam piratas, cowboys, esqueletos, cossacos, índios, sultões, mosqueteiros, palhaços, cozinheiros, almirantes. De um certo ponto de vista parece que eu “acreditava” um pouco nas fantasias, isto é, passava a associar aquelas pessoas às fantasias que tinham usado no carnaval, como se essas fantasias fossem a sua verdade secreta. O disfarce era uma revelação, eis o que eu sentia inconscientemente.
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Só no carnaval eu tinha coragem de dançar; ele é a grande festa dos tímidos. Moças que passavam por mim na rua apenas murmurando um “bom-dia”, com um rápido olhar – que milagre! – no carnaval sorriam, cantavam para mim, olhos nos olhos, se deliciavam com o jato do meu lança-perfume, deixavam que eu enchesse seus cabelos de confetes, que as prendesse eternamente com voltas de serpentina – e havia momentos de quase êxtase no tumulto das danças.
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Havia uma instituição espantosa para nossa cidade pudica: era, digamos assim, o carro das mulheres. Naturalmente um grande carro aberto cheio de mulheres fantasiadas, a jogar serpentinas, empunhando bisnagas de cem gramas, pintadíssimas, alegríssimas, passeando escandalosamente no meio da gente e dos carros familiares, entre blocos de mocinhas. E todo ano havia um rapazinho que se embriagava e saía no carro das mulheres. Ia ali abraçando a duas gordas, empunhando uma garrafa de cerveja, enfrentando a censura das famílias, mostrando que já era homem, que era farrista, que era um perdido.
O moço de família que tinha a coragem suprema de fazer essa exibição me parecia um herói do vicio. Moças recusavam-se a dançar com ele na noite seguinte, no baile dos Caçadores; era, durante algum tempo, um intocável, um imundo. Mas os homens mais velhos comentavam aquilo sorrindo, com simpatia: rapaziadas…
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