NO MEIO da noite despertei sonhando com minha filha Rita. Eu a via nitidamente,
na graça de seus 5 anos.
Seus cabelos castanhos - a fita azul - , o nariz reto,
correto, os olhos de água, o riso fino, engraçado, brusco...
Depois de um instante de seriedade; minha filha Rita
encarando a vida sem mêdo, mas séria, com dignidade.
Rita ouvindo música; vendo campos, mares, montanhas;
ouvindo de seu pai o pouco, o nada que êle sabe das coisas, mas pegando dêle
seu jeito de amar - sério, quieto, devagar.
Eu lhe traria cajus amarelos e vermelhos, seus olhos
brilhariam de prazer. Eu lhe ensinaria a palavra cica, e também a amar os
bichos tristes, a anta e a pequena cotia; e o córrego; e a nuvem tangida pela
viração.
Minha filha Rita em meu sonho me sorria - com pêna deste
pai, que nuca a teve.
Rubem Braga - Janeiro, 1955